OMEGA Entrevista "RAIMUNDOS"



O Raimundos acaba de lançar "Cantigas de Roda”. Ele é a volta por cima. É um dos melhores discos da banda. Entre o novo álbum e o anterior inédito, "Kavookavala", se passaram 12 anos. Nesse meio tempo, o Raimundos precisou provar para si mesmo que podia ser Raimundos sem o carismático vocalista Rodolfo Abrantes. E o caminho não foi suave.

Conversamos com Canisso, baixista da banda, que falou sobre o trabalho de começar de novo, sobre slamdance e a cena hardcore e sobre ser independente. Falou da parceria com Billy Graziadei e do por que de não querer tocar “Mulher de Fases”.

Mais místico do que se pode supor, o músico começou ele mesmo a entrevista, invertendo os papéis: “Que estilos você gosta? Que bandas?”. Ele estava sondando. Depois acabou por revelar: “Eu gosto de sentir a ‘vibe’ da pessoa com quem eu vou falar”. Canisso testa, desafia o interlocutor. Ele quer saber se você entendeu o que ele disse, se você ouviu o disco, se você conhece a banda.

Foi assim que Canisso transformou a entrevista num bate papo. No final da conversa, com a entrevista já encerrada, estava oferecendo escrever para o Território da Música uma crítica sobre o show do Nine Inch Nails no Lollapalooza, festival no qual a banda também toca. Confira a entrevista.


Por que a demora para lançar um novo disco? Entre “Cantigas de Roda” e "Kavookavala" há mais de uma década...

São doze anos. É mais tempo do que o Raimundos existiu antes... Bom, eu saí da banda em meados de 2002, voltei em julho de 2007. Foi quando a gente reestruturou a banda. Começamos praticamente do zero: a gente viajava, os quatro músicos e um técnico de som, sem roadie, sem empresário, sem equipe. Estávamos matando um leão por noite. Lutando contra a sombra do falecido, digamos [Canisso se refere a Rodolfo, ex-vocalista]. Toda noite tendo que provar que a banda não era ele, que a banda era essas quatro pessoas. A gente ainda tinha alguma relevância, tinha lenha para colocar na caldeira. Como a gente sobreviveu a isso, chegou o momento de um disco.

Eu acho que se a gente tivesse feito o disco naquele primeiro momento, com a banda ainda se reestruturando, não seria a mesma coisa. Precisávamos ter passado por esse reposicionamento na cena.

E foi preciso um intervalo de 12 anos para que a banda chegasse nesse momento?

A gente sentiu que era o momento por volta de 2012. Então a gente começou a juntar uns esqueletos de músicas e fazer as primeiras sessões de brain storm para compor. Até aquele momento, a gente meio que brigava dentro da banda. Por que parte da banda já queria parar e compor e outra parte tinha medo de ainda ser cedo. Eles passaram por isso no intervalo em que eu fiquei fora da banda. O Raimundos lançou um disco que passou em branco. O disco é até legal, mas acho que faltou estratégia.

Como assim?

Uma estratégia como a que estamos usando agora. Antes de 2007 não houve essa tentativa de se tornar relevante. De passar por aquelas coisas que uma banda passa quando está começando. 

O Raimundos precisava começar de novo?

Sim, aquela coisa de quatro amigos num carro, os instrumentos na bagagem, rachando hotel, rachando os custos. Normalmente isso é mais prejuízo do que lucro

Foi com essa ideia que vocês foram para a casa do pai do Digão, onde a banda começou a ensaiar e compor, há 20 anos, para começar a trabalhar nas novas músicas?

Sim. Na reta final, aliás, eu mudei de volta pra São Paulo e nos últimos meses a gente ensaiou na sala da minha casa. Era uma casa minha que estava alugada. Nós voltamos para essa casa onde havíamos passado lá no começo.

Foi uma recriação da trajetória do Raimundos?

Foi. A gente passou pelo mesmo lugar onde a gente fez as primeiras músicas e depois a gente ensaiou no mesmo lugar onde foram os ensaios do “Só no Forévis”.

É um pouco místico isso...

Foi mesmo. Eu sou totalmente místico. Eu gosto de ler os sinais, de perceber a aura, a vibe das pessoas. E isso me influencia como pessoa e como músico.

E como foi o processo de composição? Fluiu rápido, as músicas nasceram com facilidade?

A gente teve uma experiência boa de estúdio com “Jaws”. Foi um single, para fazer um videoclipe, para celebrar a volta. A gente percebeu que tinha muito a oferecer. Foi muito rico. Depois teve o disco tributo, com o Ultraje [a Rigor, cada banda gravou os sucessos da outra, o disco saiu pela DeckDisc]. O desafio foi desconstruir as músicas e a banda rendeu muito, foi muito legal.


Essas duas experiências mostraram que a banda tinha potencial para produzir coisas novas?

Sim, bastante potencial. Flui fácil, foi gostoso. Eu me vi até mais como produtor do que como músico. Acho que antes eu tinha uma coisa meio lúdica, de ir lá e tocar, como músico. Agora eu adquiri uma frieza técnica dentro do estúdio.

Seu envolvimento com a música do Raimundos passou a ser maior...

Eu posso dizer que eu me surpreendi como produtor. E foi um processo muito orgânico e participativo dos quatro integrantes. Cada um de nós participou de todas as fases do processo.

Por que vocês decidiram chamar o Billy Graziadei para finalizar a produção?

Deixa eu contar um segredinho. Isso foi até um problema com o Billy. Por que são quatro produtores [cada integrante da banda], cada um querendo uma coisa. E o cara teve que lidar com tudo isso. O resultado disso é um mérito muito, muito grande do Billy. Mas todos participaram muito.

E vocês foram para os EUA. Quer dizer, você teve um problema com o visto...

Cortesia de nossa diplomacia. Foi na época do caso do Snowden [Edward Snowden, que tornou públicos documentos secretos norte-americanos]. Não sei se teve relação, mas foi na época. Meu visto ficou pronto em novembro e eu tinha que ter ido em setembro. Mas acho que isso foi até bom. Por que eu fiquei numa ansiedade terrível, esperando e fiquei praticando, treinando tanto que quando cheguei ao estúdio para gravar, gravei na metade do tempo que tinha sido reservado.

Como foi o contato com o Graziadei?

Conheci ele no Monsters, em 1994, e depois ele tocou com uns amigos meus. Mas eu nunca trabalhei com ele antes. Foi uma coincidência. A gente estava terminando as demos, produzindo o material e ainda não tinha um produtor para o disco. Nós mesmos íamos produzir. Mas encontramos um amigo, um surfista, o Binho, que tem uma banda chamada Beff Killers, e ele mostrou um som deles. Eles gravaram aqui no Brasil, mandaram pro Billy, ele mixou e mandou de volta. O cara deu um ‘upgrade’ no som com essa mix. Deu pra sentir a mão do cara no som. E é um estilo de som totalmente diferente do que o Billy toca. A gente viu que o cara era um grande produtor. Aí, através do Binho, a gente fez o convite para o cara. Sem nenhuma pretensão. Ele não só aceitou, como disse que era fã, que conhecia a banda. Já combinamos, mandamos o material, ele já foi dando ideias, tudo via internet.


E foi ele quem sugeriu o financiamento coletivo para levantar o dinheiro para o disco, não foi?

Foi. A gente já tinha passado por uma experiência de financiamento coletivo antes, para a realização de um show. Foi um sucesso. Para o disco, a ideia inicial era bancar a logística do processo.

E acabaram arrecadando mais do que o dobro dos R$ 55 mil iniciais.

O que foi outro sinal. Um sinal de que estavam querendo um disco.

Mas rolou um receio de não atingir a cota, de não ter esse respaldo dos fãs?

Com certeza. Esse foi um dos motivos de termos colocado a expectativa lá em baixo, uma coisa realista, bem espartana mesmo. E foi uma surpresa.

Me parece que isso também é fruto de todo aquele período que você chamou de reposicionamento da banda. De voltar ao começo, independente, sem gravadoras, sem uma estrutura, reconquistar um espaço...

É quase uma meritocracia. O fato da banda ter conquistado esse espaço sozinha e ter chegado onde ela chegou de forma independente, dá legitimidade. E ao mesmo tempo, isso mostrou os fãs dando um grande sinal com essa resposta. Um sinal de que as bandas que eles gostam de repente não estão tendo espaço. Isso é muito importante para a cena. De repente até as gravadoras se dão conta de que estão investindo em um monte de som lixo e o pessoal querendo outra coisa.

E talvez também para as bandas verem que o caminho independente é viável...

 Sim, acho que essa é uma vitória do estilo. Não só do Raimundos. Acho que alguém em alguma gravadora talvez esteja se ligando agora. Tem uma porção de bandas promissoras: Oitão, Worst, Kamura, Hellbenders, Test. É uma cena forte que está fazendo seu próprio espaço. E a recepção desse nosso disco é um sinal de que a cena está forte. Eu sou um cara de quase 50 anos de idade, mas essas bandas são moleques novos, que estão tocando muito pesado. Eu vejo essa cena forte. E é muito bom fazer parte disso.



Vocês estão se sentindo um pouco adolescentes de novo com todo esse processo, o disco novo?

Eu estou! Você imagina uma coisa mais rejuvenescedora do que aquelas ondas de energia que vêm da galera fazendo aquela roda na frente do palco?

O nome do disco, “Cantigas de Roda” vem daí, das rodas?

Com certeza! É a roda. A roda do slamdance, a roda que o pessoal faz na hora que para o show do Raimundos... Nossa fiquei até emocionado! Naquela hora que a gente manda parar e o pessoal começa a fazer um moinho de gente... Essa é a roda. É a nossa brincadeira de roda.

Ou seja, é uma energia jovem, independente da idade... Quase 50, mas com energia de 15.

Se fizessem uma tomografia daquele ambiente você poderia ver as ondas vindo e a gente absorvendo. Isso é o que mantém a banda até hoje. Por que você começa tocando pela cerveja. Por que continuar? Por que pra ganhar algum dinheiro e ser respeitado, precisa engolir muito sapo, sopa de batráquio, sacou? E quando você consegue vencer isso, é o soro da juventude.

Por falar nisso, as letras das músicas trazem um sabor adolescente. Desde fantasias sexuais nas letras com duplo sentido...

Enquanto houver testosterona nessa velha carcaça, ainda abordarei esse tema. Sex, drugs and rock n’ roll. Por que se a música tivesse que ser de acordo com a idade, a gente estaria tocando jazz. Ou música clássica. E a gente não sabe tocar. Tenho uma definição boa para isso. O Raimundos é aquele moleque da turma do fundão. Aquele que mata aula, que cola. Que pega a menininha mais bonita e dá porrada no playboyzinho. O Raimundos é o inconsciente daquele moleque. O anti-herói. É quase um looser, mas ao mesmo tempo é feliz. É um outsider. O Raimundos é aquele que não se enquadra.

O punk e o hardcore têm muito disso, de representar esse moleque, de falar dele. E o Raimundos, desde o começo, sempre fez isso de um modo muito peculiar.

Meio Beavis & Butt-Head. Você acha que é adolescente, mas é uma coisa calculada. Na verdade é uma habilidade de saber rir da gente mesmo. De se auto ridicularizar. Você diz adolescente, mas é uma coisa planejada por mentes calculistas...

Bem, vocês têm experiência de vida, passaram por muitas coisas...

 [interrompendo] Eu tenho quatro filhos. Minha filha já está com 22 anos, formada. Então falar que não crescemos é um engano. Não é complexo de Peter Pan. Ao contrário: é uma estratégia friamente calculada. Nós queremos a mente de seus filhos. [risos]

Com relação à sonoridade, eu ouvi elementos novos, algumas experimentações em “Cantigas de Roda”...

Novos? Você acha que de repente “Dubmundos” não tem a ver com “Reggae do Manêro”? “Gordelícia” não tem a ver com “Me Lambe”?

Sim, mas ouvindo o disco a impressão é de que há uma abordagem diferente, talvez tenha a ver com a produção...

Ou a gente está tocando melhor [risos]. Sabe o que eu achei? Os metais de “Dubmundos”, por exemplo, eles trouxeram uma coisa que a música não tinha. Ficou quase um Men a t Work.

Um Men a t Work com punch...

É [risos]. Deu uma coisa que eu nunca ia imaginar.

É isso que eu senti e que chamei de novo... Há algo novo no som do Raimundos.

Tem sim. Por que um disco é um processo mutante. Você nunca tem um total controle do que está acontecendo. E a gente é fruto das influências, daquilo que a gente está ouvindo, da nossa evolução como músico. Tudo isso fica implícito. O disco é uma foto da banda naquele momento. Então acho que a gente fez uma dieta por que a gente está bem na foto. [risos]

E tem o sanfoneiro em “O gato da Rosinha”...

O Zenilton. É o nosso guru desde o primeiro disco. É uma boa sorte contar com ele. Ele sempre faz algum tipo de participação. Tem poucos discos que ele não participa. A história com ele é engraçada. Tinha um disco dele na casa do Digão e outro na casa do Rodolfo. Eram dois discos diferentes. Na capa de um deles tinha um cara cabeludão com uma sanfona e uma gostosa do lado. E as letras, as músicas, eram “O pão da minha prima”, “Rio das Pedras”, aquelas músicas que o cara conta uma história gigante para chegar numa rima que vai ter um duplo sentido. A gente ria dessas músicas. O pai do Rodolfo usava a capa do disco para abanar a brasa do churrasco [risos]. Quando a gente montou a banda foi para tocar Ramones numa festa. E nessa festa a gente resolveu tocar essas músicas. São músicas fáceis. Só que a gente tocou como se fosse o Ramones, usando os três acordes do punk rock. Foi daí que pintou toda essa criatividade.

O Zenilton foi a grande influência do Raimundos...

O Raimundos é um filho bastardo entre o Zenilton, o Ramones e o Dead Kennedys. 

E vocês estão animados para as 15 horas de viagem para meia hora de pauleira, como diz a letra de “Nó Suíno”?

Putz, eu sou o maior boca mole mesmo. Escrevi esse bagulho e virou praga. Pegamos uma viagem de 18 horas, o ônibus quebrou, e a gente só tocou 25 minutos. Foi menos do que meia hora. Foi quando tocamos no Planeta Atlântida. Música praga do car@#$%! Eu adoro a música. É a melhor.

Mesmo assim estão animados para a turnê?

A gente está louco! É até chato, porque a gente só quer tocas as músicas novas, mas é preciso uma estratégia, montar um ‘set’.

Quantas músicas novas estarão no repertório do novo show?

Foi uma surpresa a acolhida dos fãs. Todas as que a gente já apresentou tiveram um retorno legal. Não tem uma ou outra que não tiveram uma boa acolhida para ficar de fora. Por que sempre tem aquela que é unanimidade. Esse disco não tem isso. No show de pré-lançamento, que era parte do financiamento coletivo, uma festa fechada, foi uma delícia tocar as músicas novas para os fãs. Não tocar a porra da “Mulher de Fases”...

Cansa tocar essas músicas que são ‘hits’?

Não é que canse. É que parece que você está fazendo cover de si mesmo. É estranho. E tem também o lance de que tem sempre um cara que procura alguma coisa pra falar mal. Aí vai dizer que a gente só toca música da época do Rodolfo. Então quanto mais a gente puder tocar as músicas novas, melhor. Imagina que maneiro a gente tocar só as músicas do disco novo? Tem músicas antigas que eu adoro, que eu participei e tudo mais, mas tem umas músicas que estão tão ligadas àquele sucesso que a gente fez que... Como se tocar essas músicas fosse a nossa garantia. E não, não é assim. Como músico a gente quer se superar.

Mas é inevitável, os fãs irão pedir esses ‘hits’...

Eu compreendo perfeitamente. Mas se eu pudesse passar longe, passaria. Desculpe. Não que eu não goste da música. Quando eu voltei pra banda, 90% do ‘set’ era de músicas mais conhecidas. Era horrível. Já briguei logo de cara: ‘vamos mudar tudo, vamos tocar só as cascudas’. E foi uma delícia buscar os lados B. Mas eu sou suspeito para falar, eu gosto sempre do lado mais cascudo.



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