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Um incêndio de grandes proporções destruiu o acervo do Museu Nacional, na zona norte do Rio, na noite deste domingo, 2. Especializado em história natural e mais antigo centro de ciência do País, o Museu Nacional completou 200 anos em junho em meio a uma situação de abandono. Não houve feridos.
O Corpo de Bombeiros foi acionado às 19h30 e rapidamente chegou ao local, mas, na madrugada de segunda, o fogo permanecia fora de controle. Dois andares foram bastante destruídos, e parte do teto, de madeira, caiu. Segundo o comandante-geral do Corpo de Bombeiros do Rio, o coronel Roberto Robadey, o prédio não corre risco de desabar. As paredes externas do prédio são bastante grossas, diz ele, e, embora antigas, resistiram ao fogo. “Algumas partes internas desabaram”, afirmou.
Segundo informações do canal GloboNews, às 3h desta segunda-feira, já havia sido iniciado pelos Bombeiros o trabalho de rescaldo após apagar os últimos focos do incêndio. A equipe que trabalha no local trata de resfriar os escombros para, em seguida, fazer uma avaliação do estado do edifício e, finalmente, adentrar o museu.
O comandante dos bombeiros contou também que os dois hidrantes existentes ao redor do imóvel não funcionaram. Por isso, o combate ao fogo começou com atraso. “Tivemos de acionar a Cedae (companhia estadual de água e esgoto), que nos forneceu água. Agora tenho a certeza de que não faltará água, mas no início realmente tivemos problema”, afirmou.
Segundo Robadey, o prédio não tinha um sistema adequado de proteção contra incêndios. A legislação que exige esse tipo de estrutura é de 1976, quando o prédio já tinha mais de cem anos. Conforme o comandante dos bombeiros, há cerca de um mês representantes do museu procuraram os bombeiros para tratar da instalação de um sistema de proteção contra incêndios.
“Não vai sobrar praticamente nada. Todo o prédio foi atingido. Um absurdo o descaso e abandono que estava esse museu icônico. É como se queimassem o Louvre ou o Museu de História Natural de Londres”, lamentou o vice-diretor do Museu Nacional, Luiz Fernando Dias Duarte. Ele disse acreditar que restarão apenas a biblioteca central e as coleções de botânica e zoologia vertebrada, que estavam em prédio anexo. Bombeiros informaram que uma parte do acervo chegou a ser retirada antes de ser atingida pelo fogo.
“Uma catástrofe. São 200 anos de patrimônio desse País, são 200 anos de memória, tudo se perdendo em fogo por falta de suporte dos governos brasileiros e de consciência da classe política”, afirmou Duarte.
Quando o fogo começou, a visitação ao museu já havia sido encerrada e estavam no prédio quatro vigilantes, que não se feriram. Ainda não se sabe a causa do incêndio.
“Começou por volta das 19h30. Eu moro pertinho e, assim que soube, vim pra cá. É uma pena, acho que não vai sobrar nada”, afirmou o advogado Marcos Antônio Pereira, de 39 anos, enquanto acompanhava o combate ao fogo na mnoite de domingo. Entre os funcionários do Museu Nacional, o clima era de desespero. “Queimou tudo, perdemos tudo”, repetia uma mulher, aos prantos. Ela não quis se identificar.
Entre os funcionários que, sob lágrimas, acompanhavam o incêndio estava o bibliotecário Edson Vargas da Silva, de 61 anos, que trabalha há 43 anos no museu. “Tem muito papel, o assoalho de madeira, muita coisa que queima muito rápido. Uma tragédia. Minha vida toda estava aí dentro”, afirmou. O Zoológico do Rio de Janeiro fica bem próximo do Museu Nacional, mas não foi atingido.
O Museu Nacional, fundado por d. João VI, chegou ao bicentenário com goteiras, infiltrações, salas vazias e problemas nas instalações elétricas. Várias salas estavam fechadas por total incapacidade de funcionar. O espaço que abrigava uma das maiores atrações, a montagem da primeira réplica de um dinossauro de grande porte no País, fechou por causa de uma infestação de cupim.
Para chamar atenção para o problema, o paleontólogo Alexander Kellner, que assumiu a direção do museu este ano, transformou o antigo quarto de d. Pedro II – fechado havia 20 anos – em seu escritório. No cômodo antes majestoso, como mostrou o 'Estado' em abril, havia um lustre quebrado, móveis sem restauro, tábuas de madeira soltas no chão e infiltrações.
Em janeiro, professores de pós-graduação se uniram para pagar a passagem de ônibus da equipe de limpeza. Eles temiam que a sujeira afetasse o acervo, composto de material orgânico, sensível a micro-organismos.
Entre 2013 e 2018, o orçamento do Museu despencou de R$ 500 mil para R$ 54 mil. Segundo Duarte, o museu lutava há anos para obter recursos. Ele lembra que desde 2000, era pleiteado dinheiro para construir anexos que abrigassem as pesquisas que necessitam de preservação em álcool e formol, materiais inflamáveis. Só um anexo foi erguido com verba da Petrobrás.
Por ocasião dos 200 anos, o museu assinou com o BNDES contrato de patrocínio de R$ 21,7 milhões. A verba seria usada para restaurar o prédio.
O Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, reunia algumas das mais importantes peças da história natural do País, como Luzia, o esqueleto mais antigo já encontrado nas Américas. Com cerca de 12 mil anos de idade, foi achado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974. Trata-se de uma mulher que morreu entre os 20 e os 25 anos e foi uma das primeiras habitantes do Brasil. A descoberta de Luzia mudou as teorias sobre o povoamento das Américas.
Outra peça marcante do Museu Nacional é o meteorito Bendegó, o maior já encontrado no Brasil e que tinha destaque no saguão do prédio. Com 5,36 toneladas, a rocha é oriunda de uma região do Sistema Solar entre os planetas Marte e Júpiter e tem cerca de 4,56 bilhões de anos. O meteorito foi achado em 1784, em Monte Santo, no sertão da Bahia. Está na coleção desde 1888.
Em janeiro deste ano, professores dos cursos de pós-graduação que trabalham no Museu Nacional se uniram para pagar a passagem de ônibus da equipe de limpeza. Eles temiam que a sujeira afetasse o acervo, composto de muito material orgânico, sensível a micro-organismos.
Frequentadora do prédio histórico do Museu Nacional há 21 anos, como estudante, pesquisadora e professora, a antropóloga Adriana Facina disse que desde que lá chegou os funcionários relatam a falta da manutenção que a construção merece. “É um descaso total com a pesquisa, o conhecimento e a cultura. É muito triste ver o prédio em chamas”, disse ao Estado aos prantos, ao ver as imagens do incêndio.
No prédio há atividades de pós-graduação, pesquisa e extensão da universidade. A biblioteca da área de antropologia social é uma das mais importantes da América Latina, e provavelmente todo o seu conteúdo se perdeu, lamentou Adriana. “Muitas pessoas do Rio têm o museu como única referência, é muito popular, sempre com fila na porta aos fins de semana”, lembrou.
“Para além de toda a pesquisa de ponta realizada, é um grande centro de cultura. Os professores vêm denunciando as péssimas condições, são anos e anos de desinvestimento. Uma falta de responsabilidade do governo com a cultura e a educação. As administrações se esforçam para lidar com aportes sempre menores do que um museu como esse merece. São verbas ocasionais que eles conseguem.”
O Museu Nacional do Rio de Janeiro, consumido por um incêndio na noite deste domingo, conta com um dos maiores acervos de antropologia e história natural do país - são cerca de 20 milhões de itens.
Localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, é o museu mais antigo e uma das instituições científicas mais importantes do Brasil.
Fundado por Dom João 6º no dia 6 de agosto de 1818, o museu acabou de completar 200 anos.
Atualmente, era administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, por ser universitário, tinha caráter acadêmico e científico.
Muitas peças do acervo são exemplares únicos - de esqueletos de dinossauros a múmias egípcias, passando por milhares de utensílios produzidos por civilizações ameríndias durante a era pré-colombiana.
Entre os itens provavelmente destruídos pelo fogo, está uma das principais atrações do museu: o fóssil humano mais antigo encontrado no Brasil, batizado de Luzia.
Descoberto em 1974, pela arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire, em Minas Gerais, teria 11.300 anos.
Um dos grandes destaques da coleção de paleontogia, é o esqueleto Maxakalisaurus topai, o primeiro dinossauro de grande porte a ser montado no Brasil. A ossada foi encontrada em Minas Gerais.
Após um ataque de cupins na base de sustentação, em 2017, o Maxakalisaurus topai foi desmontado e guardado em caixas em um canto da sala de dinossauros, que foi fechada. O espaço foi reaberto em julho deste ano, após uma campanha de financiamento coletivo na internet.
De acordo com seus catálogos, o Museu Nacional possui uma das mais importantes coleções paleontológicas da América Latina, totalizando 56 mil exemplares e 18,9 mil registros.
A coleção consiste principalmente de fósseis de plantas e animais, do Brasil e de outros países, além de reconstituições e réplicas.
A coleção conta ainda com o meteorito Bendegó, encontrado em Monte Santo, na Bahia, em 1794. Com 5.260 kg, a peça está na instituição desde 1888.
Por se tratar de um objeto metálico pesado, pode ser um dos poucos itens do museu que tenha sobrevivido às chamas.
Com mais de 700 peças, a coleção de arqueologia egípcia do Museu Nacional é considerada a maior da América Latina e a mais antiga do continente - com múmias e sarcófagos.
O caixão de Sha Amun en su é uma das atrações mais populares da seção. Trata-se de um presente que Dom Pedro 2º recebeu, em 1876, em sua segunda visita ao Egito.
Outra raridade do acervo é o trono do rei africano Adandozan (1718-1818), doado pelos embaixadores do rei ao príncipe regente Dom João 6º, em 1811.
Uma das coleções mais valiosas do museu é a de arqueologia clássica, composta por 750 peças das civilizações grega, romana e etrusca.
Devido ao tamanho e ao valor, foi considerada o maior do gênero na América Latina.
O acervo de etnologia tinha artefatos da cultura indígena, como objetos raros do povo Tikuna, e afro-brasileira, além de itens de culturas do Pacífico. Havia pelo menos 1.800 artefatos de civilizações ameríndias da era pré-colombiana.
Segundo a historiadora Heloísa Bertol Domingues, o museu foi concebido nos moldes de instituições europeias. Na época da inauguração, quando o local ainda se chamava "Museu Real", Dom Pedro 1º escreveu que o objetivo era "propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil".
Em nota, o Museu Nacional afirmou que ainda está mensurando os danos ao acervo.
"É uma enorme tragédia. A hora é de união e reconstrução. Infelizmente, ainda não conseguimos mensurar o dano total ao acervo, mas precisamos mobilizar toda a sociedade para a recuperação de uma das mais importantes instituições científicas do mundo", afirmou Alexander Keller, diretor do Museu Nacional, no texto.
A doutora em antropologia Alba Zaluar, que estudou no museu, classificou o incêndio como "uma imensa tragédia para o Brasil e para o mundo".
"O acervo do Museu Nacional é uma coisa única no Brasil, não tinha nada igual no país", afirmou Zaluar à BBC News Brasil.
"O prédio foi residência da família real. Tinha uma biblioteca da área de antropologia importantíssima. Estamos arrasados."
O presidente Michel Temer (MDB) disse, em nota, que o incêndio causou uma perda "incalculável ao Brasil".
"Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode mensurar, pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o Império. É um dia triste para todos os brasileiros", escreveu.
O incêndio começou às 19h30, quando o museu estava fechado, e só havia quatro seguranças no interior. Não foram registradas vítimas.
A reportagem da BBC News Brasil esteve no local. Em meio a um cenário de desespero, cidadãos ofereciam ajudam aos bombeiros para tentar debelar o fogo. Por volta das 23h20, o incêndio ainda não estava controlado.
Segundo o coronel Roberto Bobadey, comandante-geral do Corpo de Bombeiros, membros da corporação tiveram problemas para encontrar água em hidrantes da região.
"Os dois hidrantes mais próximos estavam sem carga. Estamos usando o lago da Quinta da Boa Vista e de carros-pipa", disse.
O coronel também afirmou que o prédio não tinha alvará dos bombeiros para funcionar.
As causas do incêndio ainda são desconhecidas.
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