Adeus Magrão! Parte da história e do futebol vão com o Sócrates



Morreu Sócrates neste domingo. E tinha que ser num domingo, dia de futebol e do mais que provável título brasileiro do Corinthians. Morreu porque o corpo fragilizado não resistiu a uma infeção generalizada após a ingestão de um prato.
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, doutor formado em Ribeirão Preto aos 24 anos, foi e é uma raridade no mundo do futebol. Além dos seus conhecimentos universitários ensinou a muitos, tanto com a bola nos pés quanto fora do gramado, o significado da solidariedade e da participação.
Habilidoso, talentoso, jogador de passos longos e passes precisos, de jogar de cabeça erguida, e de andar pela vida do mesmo jeito, Sócrates foi um ícone de uma época gloriosa do futebol brasileiro e de um momento histórico do país.
Lembro-me que eu vi o Sócrates na minha infância na Argentina disputando a Copa do Mundo da Espanha em 1982. E quando os narradores o chamavam de “doctor”, eu associava isso, partindo da ignorância que um moleque de 10 anos podia ter, como um apelido que representava algo assim como a presença em campo, ao jogo limpo que mostrava durante os 90 minutos com a amarelinha. Precisei de alguns anos para saber quanto mais o paraense tinha feito e o porquê do Doutor. Felizmente, lembro dos seus gols e suas assistências nas duas seleções brasileiras que me faziam torcer contra a Argentina, mesmo morando lá.





Integrante das seleções de 1982 e 1986, Sócrates deixou na minha memória a elegância associada ao futebol. O jogo bonito que o pragmatismo e a sede de vitórias acabou apagando das seguintes edições da Copa do Mundo.
Desde o Parque São Jorge, mudou os conceitos do Corinthians dentro e fora de campo. Jogando e fazendo jogar, opinando e participando das decisões com o comando técnico, dando a real importância e participação aos jogadores, aqueles que decidem dentro das quatro linhas.
Foi o líder intelectual do que se conheceu como Democracia Corintiana. Durante a ditadura, quebrou paradigmas, e assim o time ganhava títulos jogando bem, tinha compromisso social e político. As decisões do futebol eram discutidas e votadas pelos jogadores, comissão técnica, roupeiro, massagistas. 
Ainda vejo o Sócrates comemorando o gol sóbrio, sem firulas, danças e outras estratégias de marketing; mas com o punho cerrado, símbolo da esquerda na época que a ditadura militar, aqui e lá, apelava à intolerância e a persecução dos inimigos. Amigos paulistas me contam sempre que aqueles tempos de 1982 a 1984 da Democracia foram os mais importantes da história do Corinthians. O Timão, como eles chamam, jogava no Parque São Jorge, mas estava presente também nos comícios das Diretas Já, no movimento pela anistia, nas greves e nas reivindicações sociais.





Se um homem se mede pelas companhias que tem, então o Magrão era gigante. Junto com ele, Vladimir, Zenon e Casagrande eram os máximos expoentes desse movimento único no futebol brasileiro. Ainda estava, no meu modo de ver, um dos melhores jornalistas do país, Juca Kfouri. Com as mensagens nas camisas, ou faixas carregadas na entrada ao gramado pedindo, por exemplo, “Diretas já” ou “Eu quero votar para Presidente”, ou o ainda hoje revolucionário “Ganhar ou perder, mas sempre com Democracia”. 
Sentirei sua falta ainda mais agora. Com sua irreverência e seus toques de humor. Com sua sempre rebeldia construtiva e esse tom de voz grave, rouco, que o fazia parecer ainda mais sério em tudo o que dizia. Já estava com saudades de ver em campo um jogador transitando o gramado com a qualidade dele. Mais ainda, de ver jogadores de futebol com essa conduta fora dos gramados, neste tempo onde a balada e os escândalos estão à ordem do dia.
Aonde foi doutor com essa sua sobriedade hoje tão necessária no mundo do futebol? E essa faixa na cabeça que virou sua marca e que longe de um enfeite puramente estético tinha significado?
Sinto que parte da minha infância e da minha inocência, o pouco que delas restava, estão indo com o senhor. Nesta despedida quero agradecer em nome de todos aqueles que gostam desse esporte coletivo tão apaixonante, que admiram também a integridade de um homem que não se limita apenas à sua função e se sabe consciente do valor e do exemplo que representa para os outros.
Vá com Deus, com o punho fechado, a cabeça erguida e a elegância de sempre. Tenho certeza que será muito bem recebido por tudo o que fez, por tudo o bom que deixou em cada lugar por onde transitou.




Nome Completo: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira
Local e Data de Nascimento: Belém (PA), 19/2/1954
Posição: meia-direita
Período de atividade: 1978 a 1984
Jogos: 298 (153 vitórias, 90 empates, 55 derrotas)
Gols: 172
Títulos pelo Corinthians: Campeonato Paulista (1979 e 1982/83)
Times onde atuou: Botafogo (Ribeirão Preto), Corinthians, Fiorentina, Flamengo e Santos

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